Carlos Alberto Lopes

quarta-feira, junho 27

CLEMENTINA.



Clementina vivia isolada em uma casinha ao pé da serra, sobrevivendo de pequenos serviços e do que conseguia tirar do pequeno de chão, entre a casa e a serra, onde plantara uma pequena horta e alguns vegetais.
Seus pais haviam falecido de lepra, e a jovem Clementina foi isolada pela vila, com medo da doença.
Clementina, embora filha de leprosos, não desenvolvera doença alguma, mas mantinha-se em seu canto, ao pé da serra, preparando pequenos serviços a quem lhe procurasse .
Seu sorriso era franco, aberto e humilde, e cativava todos com quem tratava.
Desde muito jovem aprendera a arte do bordado em linho, e era a melhor bordadeira da região, visto que seus trabalhos estavam nas melhores casas da cidade, e recebia encomendas de todo o estado.
Esta era a sua maior fonte de renda.
Alem dos bordados, Clementina ganhara fama pôr suas “garrafadas” feitas com ervas medicinas de seu próprio cultivo, que serviam para diversas doenças.
Não havia sido uma “garrafada” de Clementina, que colocara novamente em pé o marido de Das Dores, de quando se rendeu, levantando saca de cimento, ainda na construção da casa nova?
Também não havia uma garrafada sua, feito à filha de Marcolina, colocar pelas urinas as pedras, que o doutor Marcos teimava em operar ?
E quando o Juvencio pegou aquela infecção nos pulmões, não foi Clementina e suas garrafadas que o colocaram novamente respirando com normalidade ?
Foi Clementina também que deu cura na tosse do vigário, que carregava aquela rouquidão já fazia tempo
Clementina era assim desde menina......
Logo aos dez , já se prontificava a ajudar, e foi com quase treze que ajudou no parto do filho da Gertrudes , que nasceu virado.
Pois Clementina contrariando às ordens de doutor Inocencio, pai do doutor Marcos já falecido, sentou-se na barriga de Gertrudes e só então nasceu o menino .
Agora, Clementina não mais se aventura, pois já esta na beira dos oitenta, com fortes dores pela corpo.
Pôr certo ainda faz seus bordados e mistura suas garrafadas, mas não se aventura a fazer o que fazia quando moça, pois a idade não lhe permite.
Nunca casou a Clementina .
A única companhia que possui e um gato de nome Germano, que criou desde pequeno.
No ultimo sábado, sentiu fortes dores no peito, e pensou que ia para o outro lado, mas tomou chá de boldo e sentiu-se melhor.
Horácio, como faz todos os dias, chegou no casebre de Clementina no final da tarde, e sentiu algo estranho.
Chamou Clementina, mas ela não lhe respondeu .
A porta da frente, como sempre, estava só encostada, mas Clementina não estava lá.
Horácio foi encontrá-la estendia embaixo do pé de manga, tendo Germano deitado ao seu lado.
Clementina estava morta !
Na mão direita, preso entre os dedos, portava ela um terço de contas com pequeno crucifixo.
No peito dos pés, tanto no esquerdo como no direito, Clementina possuía uma ferida em forma de furo, de onde ainda brotava um filete de sangue.
Na palma das mãos, o mesmo ferimento .
Na testa, pouco acima dos olhos, se podia ver uma fileira de furinhos, todos brotando sangue .
Horácio, assustado, não tocou no corpo .
Quando o vigário chegou, e viu o que Horácio lhe mostrou, postou-se junto ao corpo e puxou as orações em terço, que Horácio procurou acompanhar.
A cada pedaço do terço, o corpo se compunha .
Primeiro foram as chagas dos pés, que se fecharam.
Depois foram as chagas das mãos e, pôr fim, sumira os pequenos furos da testa da anciã.
Clementina ganhou uma serenidade absoluta, e o corpo, que estava gelado, voltou a quentura normal como se vivo estivesse .
Parecia que Clementina havia suspirado a poucos minutos, e já se passara horas.....
Seu corpo ganhou sepultura cristã e até hoje de seu mausoléu brota um vazamento de água doce, com gosto de manga que os crentes recolhem em pequenos vidrinhos.
Corre notícia que o líquido recolhido da sepultura tem cura certa para várias doenças , se usado com esperança e fé .
Horácio, na data em que se comemora a morte de Clementina não pode sair de casa .
Seus pés ficam roxos, com cor de sangue pisado, e as mãos ganham a mesma tonalidade .
Horácio sente dores por todo o corpo, e não encontra ânimo para nada.
No primeiro ano da morte de Clementina, bem no local em que seu corpo foi encontrado, sem mais aquela, pegou fogo no casebre ao pé da serra.
O mais estranho e que a horta e o pomar, nem sequer foram atingidos pela fumaça.
Explicação ? Para que ?

Nenhum comentário: