Carlos Alberto Lopes

quinta-feira, junho 28

O PRESENTE

O morro estava em festa , pois dona Eularia, a mais antiga moradora, completaria oitenta na quadra da escola de samba do morro, com gastos pelo centro e por alguns comerciantes. com os sambistas se apresentando e o morro em peso como convidados, em uma festança como nunca havia sido feita .
Dona Eularia, mãe do santo das melhores, era uma das criaturas que se coloca no mundo só com coração, sem outra coisa.
Era a parteira oficial do Canta Galo, desde que se conhecia como gente, que fez o primeiro parto aos dez anos, trazendo ao mundo o velho Justino pouca prosa, que acabou casando com sua filha Malvina, trinta anos depois.
Justino já estava no “andar de cima “, mas Malvina ainda estava lá, ao lado da mãe.
Quando perguntavam a Eularia sobre a saúde, ela responde:
_Vai como Deus quer e permite! Aqui vou estar, até que o criador me avise que esta na hora de “bater com as dez” e ir prestar minhas contas, que estão penduradas em um prego já enferrujado!
Pois assim era Eularia, sempre de bom humor e com uma gargalhada pronta para a vida.
A festa, preparada com carinho, tinha de tudo, tinha e de tudo provou Eularia... até tomou o tal do “whisky” que chamava de “cachaça de gringo”, do litro que ganhou de presente do Juvenal, presidente da escola de samba do canta galo.
Lá pelas duas da manhã com o salão lotado e o arrasta pé pegando fogo, entrou pelo portão um punhado de pessoas, os convidados se entreolharam, e o salão ganhou profundo silêncio.
Eularia, do alto de seus oitenta anos, desceu os dois degraus que a separavam do salão, largou o lugar de honra que ocupava no palco e, amparada por dois de seus netos, se dirigiu ao grupo que entrava.
Era um grupo de dez ou doze homens, todos vestidos de negro, com luvas de couro de mesma cor, trazendo pintado nas jaquetas uma caveira dourada.
Trançada do meio por dois sabres.
Todos do morro conheciam aquela marca...
Era a marca do grupo de delinqüentes comandados por Mauro Cara de Cavalo, elemento com vasta lista de contravenções e crimes procurado pela policia como elemento de alto perigo.
Pois foi justamente ao Mauro, que Eularia se abraçou, dizendo!
_Meu menino! Pensei que não pudesse vir!
_Não deixaria minha madrinha, sem o abraço costumeiro! – disse Mauro, beijando as mãos de Eularia.
A anciã abandonou o apoio dos netos e, de braço dado com Mauro, voltou ao seu lugar no palco, com largo sorriso na face.
Mauro, após colocar Eularia com todo cuidado, em sua cadeira, dirigiu-se aos presentes:
_Em homenagem a madrinha, eu e meus rapazes resolvemos dar um presente ao morro. Não foi comprado com dinheiro desonesto posso lhe garantir!
Neste momento, as portas do salão foram totalmente aberta entrou uma ambulância, equipada para funcionar como UTI móvel.
Nas portas, trazia uma inscrição:
“Ao povo, com o abraço de Eularia Maria da Conceição.”
_Esta ambulância, continuou Mauro _ Vem acompanhada de
um motorista enfermeiro e medico, que pessoalmente vou cobrir os custos até que a comunidade, com minha ajuda e de meus rapazes, consiga construir, em mutirão, o posto de saúde, no terreno que já comprei. ao lado da igreja. O terreno foi comprado e pago, e tem a escritura tirada em nome de Eularia Maria da Conceição, para que não fiquem dúvidas no que eu disse. Também já esta comprado e pago todo material necessário para a construção do posto de saúde.
Dizendo isso, Mauro Cara de Cavalo deu um beijo na testa da madrinha, e retirou-se com seus rapazes.
Seis meses depois , já com o posto de saúde e a ambulância em pleno funcionamento Mauro Cara de Cavalo tombava, num confronto com a policia militar.
Ao saber que Mauro falecera, Eularia comentou.
_Um bom menino... um homem de bem...
Após a missa de sétimo dia, que Eularia mandou rezar, em memória de Mauro, a mesma Eularia retirou o pano de inauguração de uma placa de bronze, no principal salão do posto de saúde, onde se lia:

“Por pior que se possa pensar que e um ser humano, há nele algo de digno, se houver em alguém dignidade em procurar!
Em honra de Mauro Cara de Cavalo

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